bem vindos ao lugar,
não,
a casa,
onde se percebe,
não,
onde se toca
a confusão das palavras,
não,
das idéias
que não se exprimem,
não,
que se ausentam
ao tempo,
não,

ao exílio
das horas.


terça-feira, 29 de janeiro de 2008

rasante

rasante

vôo
pássaro
ao raso
vasto
visto
abaixo
o líquido
cristal
gotejando
sobre
a pedra
polida
no fino
tecido
que corre
entre veios
da terra
o sangue
transparente
para matar
a sede
do anjo (pássaro)

charles souza.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

um palmo abaixo do plexo

um palmo abaixo do plexo


levito a letra que me encerra
me diz o silêncio, me aferra,
busca minha tenda na terra
invade, assombra a sala, a era,
destituindo tudo que me dera
no centro exposto da esfera.
me concentro e sinto deveras
todas as veias da minha fera.

ainda peso penso à esquerda
quando intento alguma perda.
vergo o mastro na chuva lerda
naufragado o tempo de vê-la.
no horizonte ouro de perde-la
desde que o sol pingente erga
um "dia-monumento" e lenda
no seu desterro de mim: ela.

volto ao texto pardo, antigo.
'serei seu amante ou amigo?'
já me perdi nos oráculos idos
aos cantos mais escondidos
do mundo novo e do esquecido
apenas para ver-te o ambíguo
dourado ao redor do umbigo
dos deuses cobiçosos malignos.


charles souza.

outono.

outono.

folhas mortas e tortas
o tempo as varre a vento
das galharias e ilusões toscas
do marrom que precede o frio
deste tempo em mutações.
outono após outono
estas gravuras caracterizadas
oscilando na onda invísivel
- como se houvesse um mar flutuante -
carregam tristes a bater nas portas
a imagem fria e remanescente
que só renasce nas recordações.
são tais memórias como as folhas
levadas pela variação desse dia
que nos compõe após vacilar.
outono de minha alma;
já acumulei os tres séculos
que compete à saudade
importunar com as indagações
sobre o abandono e insensatez.
sinto chegar com passos lentos
mas eternos e densos a velhice.
vejo cair cada folha tonta de sono.
é uma ilusão que morre a cada outono
a prenunciar as vésperas do inverno.

charles souza.

pêndulo

pêndulo

há mais forma
no pêndulo
que no ponteiro
que marcha
ao tempo lacrado
herméticamente.
Intocável julga
os segundos
que desperdiçamos
não vivendo.
Nunca mostramos
as marcas
destas digitais
quando atentos
incontineti
a haste do pêndulo
esse apêndice
do tempo.

charles souza.

navegar (desordem)

navegar (desordem)

quando ouvi-te
havia silêncio
no mundo.
inexistia voz,
música e brisa.
tu eras uma foz
e murmulhavas
a direção do sol
- vezes alvas
a epifânia estúpida
brilhava imóvel
a chance álgida -
então umedeceu-me
a saliva na goela
matando co'a sua
a sensação de sede.
quando senti
não era mais água
- marinha ou etérea.
a que caía
cristal líqüida:
pluvial apenas.
formou-se uma poça ao chão!
não houve espaço
nem cais
para minha
embarcação veloz.
a levar-me sempre
à mais distância.
percebi as nuvens
já eras tarde
e seu desígnio
era esmaecer em mim.
não passava por ti
pássaros ou balões
que me deixassem
n'algum castelo
para dormir.
restou no entanto
uma pequena jangada
quase oculta no nevoeiro
triste e gótico
a seduzir-me.
novamente era teu ar
golfado que me envolvia.
penetrar teus secretos
tornou-se uma ambição!
assim ébrio
de teu álcool profanador
destilado em minhas veias,
naveguei a madrugada;
sem transeuntes,
sem ponte.
só um rio imenso.
eu mergulhado em ti.
destacada na penumbra,
silhueta solitária.

charles souza.

no último instante

no último instante

tece o véu etéreo
co'a fibra tesa.
de pele vestido apenas
da fronte aos pés.
lança à face nua
o sol derradeiro,
abandono da derradeira tarde.
a voz ecoe
no peito receptivo e poeta:
mudo e profundo,
nada sabe gritar
e sofre morimundo.
cala! a luz apaga.
sofre o fonema
preso dentro do hiato.
nada explica;
nada fascinado exala.
o hiato fica
solidificado na pena hirta.
- "agoniza poema!" -
o poeta estratificado grita
e o eco se estica.
a tarde lerda declina,
a lira vibra.
a musa descer resolve
e o poema doar
antes d'escoar da face
o sol derradeiro,
abandono da derradeira tarde,
trzido no verdadeiro
sentido do certeiro olhar.


charles souza.

quase

quase

me debato e não me afogo
nesse meio mar
que te introduzo à solidão
de ser u'a parte
do corrosivo odor suado
no rosto e n'alma.
não fosse o ácido selado
no cerne das mãos
nadando a massa do cortéx;
resistia sentado
ao vácuo dragador d'erbúneas
a nadar toscamente
o sangue espesso estancado
grudado ao corpo.
plácido e firme ao bloco,
faço-te terrível;
a promessa de felicidade
à te levar ao fundo
de um tão imenso e ponderado
poço d'esperança:
sabendo incluir neste peso
a dor de libertar-te
ou sufocar-te d'amor intraduzível.
quase poupei-te
de ser abjeto objeto amado
.
charles souza.

retalhos da vida íntima

retalhos da vida íntima
(ou sob efeito de Baco)


mergulhado em Baco
quedo-me ante seu colo branco,
lívido, diáfano, nínfico.
tranco a casa, baixo cortinas,
abarco o tempo na elípse
- abduso sim, este relógio,
o estágio a hora do repasto -
refaço cada passo em ronda
pela casa abandonada de tu'alma
lambendo as pegadas úmidas
e farejando a mistura química
do estro teu e meu - o éden!
tremo sob a lânguidez tua.
dispo-me convertido á ti;
pele e sintéticos texteis fabris.
confundo tu'existencia co'a minha.
elevo teu mundo a vulgaridade
e entrego teu divíno sexo
ao sacrilégio de vinho d'Auslez,
e bebo-te, embriago-me, vicío-me.
teu cheiro se almiscara lento
e me lembra o ópio indegusto,
o fruto da papoula puro e cristal.
devaneios em meandros d'espinhos -
ah! levando-me a viagens longas
por terras ermas e altas de ti e mim!
ao fim reabro a casa para o ar
levar no vento leste que sopra
por agora renovado e fresco
teu cheiro ácido até os deuses,
afim de que me invejes a sorte
de navegar o profundo mar d'Afrodite
encarnado divinamente o femme corpo
dela.



charles souza.

cena.

cena.

pesei o desgosto


ponderei a insinuação
desarticulado e caindo

senti no ouvido t'ua respiração

entrecortada e quente.
saudade humana
na carne e na fibra

desfiando a composição traposa

desta farsa encenada
entre dois corpos
imitando amor.

charles souza.

solitud

solitud


sinto
meu rio imenso
parado em mim
me fio o intento
de romper a ti
e tantas partes
quantas cabem
na dor da arte
por te lacerar
- morte -
que reivento a vida
de cabeça baixa
d'introspecto silêncio
a murmulhar úmido
tua lágrima fócil,
o sorriso acre,
os lábios ressequidos
da falta do beijo,
minha presunçosa visita
a teu aposento noturno.
vivo,
tudo sinto na ausência,
tudo sinto na presença
desta solitud aguda,
tudo pressinto voraz,
nada consinto audacioso
nem mesmo à sorte
(morte) profunda - conquistada -
na enseada deserta
do meu interior
lentamente messacrado.
as pegadas na lama
são apenaas resquícios
da tua presença ausente
ainda que por hora.


charles souza.

incerto.

incerto.

incerto como andar
solto pela ravina,
uma onda abaixo,
detestada, lacônica,
sente sua salinidade:
preconceito senil.

que valem novos
urdidos, multiplicados
humanos, vis desejos?
sensíveis à luz diurna
a veracidade esvaece
na lânguidez mentida.

a novidade acumula
concêntricas, zonza,
multidireções fáceis.
passeia o círculo
feito profuso espiral
assinalando páginas.

cada onda cega
mais e mais incerto
na noitívaga jornada.

o seio descoberto,
o sorriso afetando
algo insosso, alegre.

descobre-se infiel
as crenças inúteis
que desorientam passos.

incerto como andar
solto pela ravina
a balouçar líquida:
vida, sonhos alcoólicos,
tudo acomodado
numa garrafa de Chivas

esboroa-se ao razo
força e coragem
na nítida corredeira
que a chuva (de)forma
e condensa os vapores
do sono perdido.

vê-se levado dócil
ao sopé da cama
sonhando arrepender-se
tardiamente do prazer.
então sonha as mãos
e devora o corpo.

charles souza.

retalhos da vida íntima II

retalhos da vida íntima II

ajuntados daqui e dali,
esses focos
em filtro sépia
dos fatos
naturais da memória.
(não é dizer)
qualquer idéia basta.
costura colcha
(saldade)
de preço salgado.
uma infância - poços lamacentos,
os trilhos (e os do trem).
o corrego
e a pedra d'onde se pulava.
a imagem expandida...
a cidade solitária
ao sopé do morro...
o tempo
nos rouba força e vida -
mas nos dá,
cada vez mais caros,
à medida em que escoa os minutos,
tesouros irrecuperáveis á memória.
e como dói
a vida esvair-se
em horas aflitas
contra a finitude...
já acumulei tres séculos
e anseio por mais três.
tenho a alma na pena (plena)
e as lembranças
no papel virgem
à compor,
à decompor e recompor
esses retalhos que costuro.
fica tudo atrás
d'algum lugar inacesível.
novos são os escopos.
residencias esparsas outrora.
a praça no centro,
e o poço,
mais no centro ainda,
exposto aos mitos
(arrepios)
uma estranha simetria
da morte e a tarde cinza
de um certo "véio Zuza" - estranho!
nem todo pedaço
é belo e inefável.
impossível reter
o sol e a membrana
que protege nossos arquétipos
como impossível
é reter os meninos
que me correm doidos
na memória viciada.
é mais fácil desejar
esse silêncio de tarde vazia
duma cidade
no interior da lembrança
livre da cacofonia do presente.

charles souza.

teus olhos

teu olhar


seus olhos...ah!
seus olhos..
seus olhos contem ainda
a beleza do estranho.
o fragor da instância
e o balançar do momento
tão lúcido e franco
que me ajoelho
para beijar-te a mão.
teu olhar tem o verde do mar
e o azul do céu;
teu olhar tem o castanho da terra
e o negro da noite.
seu olhar tem tudo...
só não tem a direção do meu.

charles souza.