bem vindos ao lugar,
não,
a casa,
onde se percebe,
não,
onde se toca
a confusão das palavras,
não,
das idéias
que não se exprimem,
não,
que se ausentam
ao tempo,
não,

ao exílio
das horas.


quinta-feira, 27 de setembro de 2007

rondô

A bruma espessa lhe fazia pensar

e o pedaço de papel amassado na mão

sussurrara-lhe qualquer coisa de insólito ...

(uma idéia profunda de qualquer coisa)

o cais era deserto e solitariamente frio

as luzes brancas e opacas remetiam-lhe

à alguma fotografia de pierrô em preto e branco


então saiu pela noite

rescendendo a própria urina

degradado e sem amor próprio

com seus 500ml de sonhos

mediocremente arranjados

numa garrafa de Shivas

esverdeada e tão brilhante

como suas idéias, mesmo assombradas ...

(nunca foram um dia).

A vida liqüida balouçava

numa desvairada agonia


agarrando-se a qualquer preço

aos insumos que o acaso lhe atirava.

assim que sentiu rtestituir-se-lhe

volveu a cabeça num giro de mundo

pode divisar então, todo o entulho de sentidos

que o alcool destilára na alma ...
( já decantada)


a cidade agora mais idiota que nunca

não tinha coragem de lhe erguer a voz

visto que, já era madrugada, todos dormiam.


seus dedos tatearam algo sólido na penumbra

enxergou o saco preto de lixo - que pensou agradável -

resignou-se e decidiu repousar ali.

entre o verme e o sonho

fendeu a vida na parte de trás
mas não afetou sua marcha
assim, conseguiu uns dias de repouso
acocorado no arqueado da pálpebra
sorriu falsamente....

pensou desgostado - hoje não! -
(não há lamento no que se esvai)

quis assoviar uma canção, mas o pensamento
não obedeceu a idéia


nisso o verme

cujo hálito ácido e árido

rompeu sua primeira carne

ao perceber seu débil e medíocre corpo
viu a luz que todos sonham
(ou julgam)
na passagem exclamou alguns palavrões
(e espantou-se com a liberdade)
pois não era o que imaginára


e por ser diferente,
pensou perdida a viagem
mas era tarde para recuar
então ficou apreendido
num lugar que nem seus sonhos
suspeitaram entrar
pois a mácula da vida
se abstém de tais frutos


só que agora sabe o segredo da vida
"o que crê, não se retémn n'algum lugar,
mas, o que sonha, esse sabe da passagem"

Charles Souza.

post húmu(s)los



sulfrágio horroroso
hediondo biombo
onde escondes o mundo
dum outro mundo
imcabível no teu
...
pavoroso hiato
de horas esparsas
que (não sei o que querem dizer)
mas saem por si só
e dizem sozinhas

coisas que encontro
na alma inquieta
repleta - lucidez absurda -
sem razão de ser
coerente apenas consigo mesma.

tenebroso casco em que me fecho (pétreo agora)
escuro e parco túmulo
num rosto bruto à cinzel (furto)
imitando um anjo barato
de granito e sem alma.

visão tesa e diáfana;
profética, rala e cinzenta - (singela) -
de obscuros multiplos futuros
esfregando na minha face
o endereço fatídico
da minha última casa.

Charles Souza. 17/08/2006

de amoresa e de morte




seio bruto
que amamentaste esta carne
a qual agora é pó
resultante das combustões que teve a vida
cheia de paixões
fúteis e sórdidas
...
sólidas esperanças
desfraldaram as asas brancas
e decifraram as poucas elegías
que tecí virginais
ao decair espiralado
pelos quatro cantos do mundo
...
num átimo
tomo fôlego
resvalo trôpego
no lado errado
...
baque surdo
mundo (in)justo
faz quem ama
ser desterrado

detestado

entediado

imprestável ser humano

pois humanos
amamos
erramos
morremos!

charles Souza. 15/08/2006

o moinho

quando do dia envergado
chegou o primeiro pensamento (envolto em penumbra)
as dobradiças da cancela
oprimidas pela ferrugem
fez notar o primeiro passo
da lenta e degradada memória das águas
as quais, de tanto murmúrio,
levam sempre consigo a oportunidade única,
e os felizardos que conseguiam tocar -
de forma violenta e (semi)contínua (sua úmida carne) -
eram as pás do moínho
que sem sensura se deixava banhar
abandonada à languidez fluvial.
Naquela altura dos desejos,
- o velho Moinho que só poderia agradecer
o fato de terem arrancado-lhe
uma de suas engrenagens -
sonhava com alguma outra debilidade
que talvez lhe desse tanto ou maior prazer.


As pás não se moviam,
mas a alma trasladava
agora pelo íntimo contato das águas.
Sabia dos segredos que os rios
arrancavam da terra e dos peixes
num sussurrar tenro
e que nunca se cala
a voz do coração fala sempre mais alto,
a das coisas têm menos importancia.
nesse estado letargico
até que vive feliz
e seu maior medo agora
é que lhe restituam os movimentos.


Charles Souza.

verde-mar-inveja-tus-cores

quando eu me perdi
no verde-mar dos teus olhos
eu me vi...
...totalmente sinestésico
acariciando uma saudade
que nascia volumosa.

e dentro de você
tudo era mais denso
e vivo,
...(eu) perpetuamente acordado,
para não perder um só instante alegre
da tua inconstante vida.

quis ser parte do todo - seu tudo -
banhar-me nesse mar e descobrir
um pouco dessa sua verde-vida.

Ah...
que

mergulho

insensato,

tenebroso,

inseguro.

que negro

abismo

é tua razão....

eu, submerso, nesse mar
tão profundamente verde que,
divide a alma em dois idênticos...
tento respirar...
( ar)

agora,
me rendo,
descubro a luz...

Catarse!

...pausadamente, enfrento
as condições que me impôs o desafio
e limpo, silente, as escoriações
da última investida.


Charles Souza.

o sal do lírico

o sal do sol;
o sal da costa;
o sal da terra;
o sal do rosto;
o sal da lágrima;
o saldas flores;
o sal das letras;
o poema salgado da vida.


Charles

sentido?

É tão natural querer a vida,
as coisas que ela destila...
-À exemplo quando estamos
com a mulher que amamos-.

Passsamos vezes à deriva.
Coisas que nos aviltam. Dóem.
Onde se esvai a fumça ávida?
Que vida se esconde medíocre
nos umbrais secretos?
Para aonde ela escorre?

Os gregos e os romanos
acreditaram em tantos deuses
e destinos tresloucados.
Será que um dia existiu Dionísio
com seus lagares de vinho,
ou os mortais é que criam deuses
tão supérfluos
quanto as quimeras,
as quais,
insistem,
alimentam?

Às vezes os deuses dos homens
passam sorrindo ao largo,
não demonstram a mínima compaixão.
Por que deveria algum obtuso
inferir na ordem desgraçada do Caos?

Quanto à mim, vivo apenas?
Mas me espera algum bem,
alguma herança que desconheço?
Talvez sagrada ou profana?...

Mas antes - perdoem-me pela humanidade-
ser herético com o deus de outrém
que com o meu.


Mas a culpa deste desterrado discurso,
é de uma consciência filosofal que se
me instaurou na cuca...
Mas acho que estou a recuperar o caminho
para os bosques, castelos, moinhos...


(Mulheres nos fazem escrever coisas sem sentido,
mas talvez, haja algum sentido na minha alma.
Algo novo com que sonhar.)



Charles Souza.

auter ego retracto

feito em preto e branco
meu auto-retrato perplexo.
muito mais real e convexo;
na verdade u'a bulimía de versos
- sintaxe caótica -

[ o desconforto do prazer,
sublimação dos nervos]

desintoxicando a luz - meu dia -
das mediocridades que presenciei.

esse poema mineral me ilude,
me constrói "eu" , (inner myself).
um mundo exilado do real.

razão!
preserve-me da paralogia
esconde-me da fraseologia.
dê-me uma expressão muda,
tão grandiloqüente quanto a vida,
mas, nas linhas da face somente.
put above my flesh the ashes of age
derrame-as direto da ampulheta
- que as Parcas percam as Horas -
confundam-se entre as filhas
desses deuses que pensam olímpicos
pois agora sou eu!
meu auter ego desconfiado
de mim mesmo.
sou apenas eu...
- e não me conheço! -
(às vezes quebrado
n'outras inteiro,
n'umas correto
d'algumas errado.)
além do jogo de luz e sombras
do fatídico auto-retrato ,
trago os reflexos dum outro
pintado,
rebuscado.
é um espelho!
me olho.
vos reconheço?

Charles Souza.

cogito ergo sum

penso como sobrevivo.
montagens de poetas mortos
e vivos.

Charles Souza.

elegia

hórridas e insondáveis brenhas
onde a morte, (sra. McDeath),
procura o corpo esconder à branda luz;

transforma em fogo-fátuo
essa pele translúcida
pelos eflúvios que respirava.

quando viva essa carne,
expelida dos tumores de sonhos,
alimentara como se fora pássaros,
[suas quimeras.

emaranhados fios de luzes
de variadas cores tenebrosas
que salvará a alma desse engodo

Deus ajude quem viu sua própria lama.

que fizeram do teu Tejo?
tua prece?
teu riso?
tua pressa?

agora é lenta e inútil
a degradada memória. vês?
passas por onde não te vêem,
nem os olhos comuns da carne,
e talvez, onde estás,
queimas a pele da tu'alma.

ou regozija-se num "riso-louco-destrancado"?


Charles Souza.

rondô per noche

seu cheiro ácido e lento
exalado durante os áridos
ares do cubículo,
uma espécie de Caaba
cuja única finalidade
era absolutamente,
ostentar as razões de uma Hégira
empreendida por corpos imorais,
na fuga transcedental da alma
para a vida (ávida de movimento).
Essa essência acre,
corrosiva e letal
era apenas o hálito seco d'algum deus
herméticamente fechado,
protegido das ações do tempo
num arredondado domo de vidro.
A ferrugem desse odor,
que rescendera durante toda a noite,
consistia no resquício do último repasto
de carne e de alma ofegantes,
gritando uma insípida
e quase irreversível voz,
murmurada pouco abaixo
d'um inexpressivo e aguado olhar.


Charles Souza. 2006

contemplação

quero ver-te
no lugar em que
acalmas a tu'alma
e me entreter
no momento em que
recolhe-te à calma.

Charles Souza.

logo, sou pela obra

"ego sum'
fatual.
eu sou fatalidade.
"et mea verbus
plânctons que alimentam
o Leviatã da minha memória (mnemosine)
são advérbios n'algum lugar
ligando coisas esquisitas.

"hic ego sum rex
et mea verbus eras res omissa"
e perderam-se por mim.
vendí-os à posteridade nehuma
(ou esta), mas,
filius, ergo heres.
(ergo ego per opus)

Charles Souza

poema marinho

Cais, tanto faz se durmo feliz
não vou deixar de ancorar-me.
Na proa me deixa pousar aprendiz
de Marinas e marinas de ser
os vários nós que tem vida

um jeito-
um gesto-
um sonho-
um grito-
um seio aflito,
que de resto,
em mim se desfaz...


Marinas e maneiras eu sonho.
Sonho poeta de músico virtuose.

A lua me acorda dentro desses olhos
estranhamente verdes...
de verdes mares-
de verdes árvores-
de verdes vidas-
de verdes saudades-


Te pressuponho dentro de um domo
onde t'escondo dos meus escombros
aonde t'escondo dos versos bruscos
que te descubro e te recubro...


Cais, venda-me teu porto e teu óscio
teu lugar e tua solidão
para que eu redescubra Marinas ocultas
nas marinas que te rodeiam cultas...
(todas são tão delicadas?)

Quem sabe eu percebo
que ela pousa em mim
o brilho desses verdes,
como o teu translúcido que te rodeia
totalmente líquido.


Charles Souza.

naco

- o que se esconde
no poente de cada dia?

alguém responde
um poema à cada dia!

- o que te mata a
fome de cada dia?

alguém responde
com um tiro "fim-de-agonia"!

charles souza

exercício da parabola.



um canto é só um canto...
- ou será uma esquina também?
um canto pode ser canto...
- ou será só um encanto na voz?

um canto
pode ser pranto,
pode ser pronto,
ou improviso de espanto.
um canto
pode ser conto,
pode ser tanto
quanto suportar o canto.

e o corpo?
esse pode ser tonto,
mas por enquanto,
ali no canto,
se encanta com a canção.

Charles Souza.

o fogo das pedras

a pedra: essa
onde erigí minha "sua-morada"

o fogo: esse
em que me queimo em cuidados

esse apostolado deve ser
a expansão do laço de amizade
que se estende às profundas de Deus

é como
uma casa de diamante esse amigo:
brilha por dentro uma luz
resplandecente de grande beleza

entretanto não o penetra
sem se quebrar incontinente
sua parede exterior:
tarefa difícil para quem a quebra

pois deve ferí-la a golpes firmes
dados com a própria carne
em paredes que se defendem
com lâminas e arestas

nisso ele fere a sí mesmo.
uma vez destruida a primeira parede
a luz interior de um vermelho vivo
brilha com nova intensidade

a pedra: assim
lapida-se a pedra

o fogo: assim
se busca o calor do amigo

ele destruirá progressivamente
várias paredes nesta arte
ferindo-se sempre de modo mais profundo

marcando ambos nesta experiência
(entretanto não age como alguém
que quebra um vaso
e logo se afasta sem maiores preocupações)

suas feridas se tornam
cada vez mais profundas
até o momento onde se encontra
diante da última e transparente parede:

já percebe através dela a própria luz
parecendo-lhe que se quebrar
a própria luz se apagará
contudo precisa também

destruir essa última parede.
só a esse preço achará
a intimidade mais profunda do amigo -
a pedra centelha da alma divina.

charles souza (assino como cummings)

myself portrait II

meu retrato mira
pálido e triste
uma lente séria
para minha imagem
que residirá no tempo.

meu retrato respira
n'algum momento
um ar petrificado, estático
monocromático de pigmentos
preto, branco e cinza

há tons azuis.
entretanto não sei d'onde vêm
- talvez a tela de cristal líquido -
dessa tecnologia gelada
que antepara a aparência real
da minha alma surreal.

charles souza

organicaelegia

estive triste
coagulado
e seco
olhei para dentro
e o que vi:
minhas vísceras
e minha alma
comungando ódio
e planejando
contra o resto
desse corpo
um terrível
mal estar!

charles souza

auf widerseheein

quero que eu me encontre
- quando tiver que voltar -
ainda audaz e em pé
sem balançar sob o movimento da maré.

preciso ser exato no ir-me
- quando tiver que partir -
sem ser inexato nas despedidas
que embaraçam as novas saudações adquiridas.

quero abandonar tal cais
sem amparo
sem choro
sem medida
só o adeus e o desapego da saída.

charles souza

to Ilka

tenho o horizonte de Ilka
na cabeça e no coração
uma latência que me impede
de novas abstrações.

tenho seu amor úmido
e me soçobrando em lágrimas.
me sinto seu barco, sua espera
seu amado sempre zarpando.

sinto ela minha ilha
minha terra e tudo que há nela
o mel, a flor, os pássaros
a canção aguda e sem verso.

tenho a necessidade de libertar-me
desse poema escasso que é ela,
tatuando-se em mim indelével
ainda que frágil fuga espero!

charles souza

sonâmbula

de noite busquei em minha cama aquele a quem ama a minha alma.
Busquei-o, mas não o achei.

cânticos dos cânticos 3:1

eu te busquei por estas noites
- é sempre a noite que se busca -
não encontrei em minha cama
teu corpo, teu seio, tua alma.

teu mais leve resquício se dissipou
quando aspirei uma vontade
e dentro de mim se impregnou
uma memória de saudade.

instinto inato que te busca
justamente por ser meu oposto
e se encaixa em minha carne,
na alma, no pensamento e no devir.

te quis aqui por sentir gritar por dentro
uma força de forma inominável
que insistia em simplificar-se
e expandir-se dizendo: te amo!


esse grito me rompeu a carne
e abriu-me o lacre da boca
na espera de um beijo exato
que correspondesse à essa verdade.

a noite se me revelou à porta,
a rua, os transeuntes, as luzes,
as estrelas, a lua, o vento
e a canção que a tudo dava forma.

saí então ágil e destemido, tenso.
quis encontrar-te e revelar-te o segredo
que há tanto venho guardando
- amada! como te espero alva e dócil.-

mas tenho medo de não resistir
quando for afrontado por tua face
e tiver que revelar secreto e difícil
o não saber ser o objeto amado.

soube do teu interese pelo mar
e isso me inflamou a vontade
de possuir tua alma e compartilhar
exatamente os mesmos sonhos.

meu coração revelou-se barco-a-vela
e o corpo um oceano limitado
á minha própria vastidão singular
e ví meu mundo separado do teu

por esta carne! ah, se eu não tivesse
póros, pele, tecidos vís, fibras mil.
eu sairia ao encontro do teu substrato
e essa essência seria o sim

de uma permissão para encontrar-me
desperto a vida inteira para ver-te
e consumir o ar, a água, o fogo
e a argila que me constrói e desiguala.

quantas vezes te vi partir
a cada leitura que fazia da tua vida!
sempre na esperança de que tua massa
resistisse ao tempo e não precisaces ir.

mas resignei-me e assumi teu adeus
imediato e temporário, mas dorido,
iguais a estes laços frouxos que vibram
a um vento mais brando e se desfazem.

seu tacto, seu respirar, sua voz doce,
seu rasgar-se e doar-se à fome doida,
o sangrar a palavra ao dizer de si
a verdadeira forma do verbo amar.

estas são impressões demasiado fortes
para que se apaguem neste medo
infringido pelos acontecimentos desta estrada
que percorri para te encontrar.

encarei o caminho à frente, irreversível,
como quem se joga ao suicídio certo
decidido ir ao fundo do mar e se encontra
tão fundo que o peso o impede da volta.

esta plaga prata, cálida, lânguida.
esta alma diáfana e trêmula
não sei dizer se é miha ou tua,
só que não consigo uní-las aqui.

tua habitação é alta e impenetrável
o teu corpo é imaculado e desejável
tua pele é amalgama das liquefações
que construíram o mundo e os homens.

teus sonhos são de meandros e fiapos,
delgados e secos como se fora filhos
de um campo de trigo ou de feno maduros
que no tempo se espera colhe-los.

te encontrei quando perambulavas
insône e pensativa, desaraigada
desta terra que não merece contê-la
na tua plena forma de anjo.

charles souza (assino como cummings)

adios los otros

decompôs-se cada mônada
que desmentia a existência
deste corpo que só deseja
a todo momento que respira.

desligou-se cada mól
numa debandada de substância
desta antimatéria branca ( contrária)
área de anti-vida escassa.

mas recompôs-se cada grão
n'outro plano d'outra argila
por causa d'uma idéia
coisa boba e muito antiga

lhe disseram num alto e "bom-tom":
a vida é como uma cantiga
tão frágil que reverbera numa casca d'ovo
que, e, quando quebrá-la, ver-se há o lado de fora...

crendo nisso olhou para dentro
ternamente sentiu seu vício
e em suicídio
lançou-se,
ao póeta,
o poema.

charles souza

lumina

quando ela
se me revelou
o elo fraco
entre dois
entendidos,
conheci-lhe
o sentido
e segredos,
convertendo-me
criminoso
num temerário
usuário
de adjetivas
rígidas
e pérfidas
urdindo
maldades novas
à serem
impingidas
diretamente
na carne
na mais cruel
manifestação
da confusão
dos sentidos
das palavras.

charles souza (assino como cummings)

gotejando

gotejando



uma casca cristal
protegendo dura assim
tão belo e desejável líquido.
transparecendo tudo
atrás de si escondido.

de tanto fitá-lo
tão alto já ia
que condensado pesei ;
descí conta-gotas
junto da chuva
pingando uma essência
de alma umedecida
dentro da área da vida.

foi então que restei solitário
uma gota de charles
dentro do frasco de líra.

charles souza. (assino como cuimmings)