bem vindos ao lugar,
não,
a casa,
onde se percebe,
não,
onde se toca
a confusão das palavras,
não,
das idéias
que não se exprimem,
não,
que se ausentam
ao tempo,
não,

ao exílio
das horas.


quinta-feira, 27 de setembro de 2007

sonâmbula

de noite busquei em minha cama aquele a quem ama a minha alma.
Busquei-o, mas não o achei.

cânticos dos cânticos 3:1

eu te busquei por estas noites
- é sempre a noite que se busca -
não encontrei em minha cama
teu corpo, teu seio, tua alma.

teu mais leve resquício se dissipou
quando aspirei uma vontade
e dentro de mim se impregnou
uma memória de saudade.

instinto inato que te busca
justamente por ser meu oposto
e se encaixa em minha carne,
na alma, no pensamento e no devir.

te quis aqui por sentir gritar por dentro
uma força de forma inominável
que insistia em simplificar-se
e expandir-se dizendo: te amo!


esse grito me rompeu a carne
e abriu-me o lacre da boca
na espera de um beijo exato
que correspondesse à essa verdade.

a noite se me revelou à porta,
a rua, os transeuntes, as luzes,
as estrelas, a lua, o vento
e a canção que a tudo dava forma.

saí então ágil e destemido, tenso.
quis encontrar-te e revelar-te o segredo
que há tanto venho guardando
- amada! como te espero alva e dócil.-

mas tenho medo de não resistir
quando for afrontado por tua face
e tiver que revelar secreto e difícil
o não saber ser o objeto amado.

soube do teu interese pelo mar
e isso me inflamou a vontade
de possuir tua alma e compartilhar
exatamente os mesmos sonhos.

meu coração revelou-se barco-a-vela
e o corpo um oceano limitado
á minha própria vastidão singular
e ví meu mundo separado do teu

por esta carne! ah, se eu não tivesse
póros, pele, tecidos vís, fibras mil.
eu sairia ao encontro do teu substrato
e essa essência seria o sim

de uma permissão para encontrar-me
desperto a vida inteira para ver-te
e consumir o ar, a água, o fogo
e a argila que me constrói e desiguala.

quantas vezes te vi partir
a cada leitura que fazia da tua vida!
sempre na esperança de que tua massa
resistisse ao tempo e não precisaces ir.

mas resignei-me e assumi teu adeus
imediato e temporário, mas dorido,
iguais a estes laços frouxos que vibram
a um vento mais brando e se desfazem.

seu tacto, seu respirar, sua voz doce,
seu rasgar-se e doar-se à fome doida,
o sangrar a palavra ao dizer de si
a verdadeira forma do verbo amar.

estas são impressões demasiado fortes
para que se apaguem neste medo
infringido pelos acontecimentos desta estrada
que percorri para te encontrar.

encarei o caminho à frente, irreversível,
como quem se joga ao suicídio certo
decidido ir ao fundo do mar e se encontra
tão fundo que o peso o impede da volta.

esta plaga prata, cálida, lânguida.
esta alma diáfana e trêmula
não sei dizer se é miha ou tua,
só que não consigo uní-las aqui.

tua habitação é alta e impenetrável
o teu corpo é imaculado e desejável
tua pele é amalgama das liquefações
que construíram o mundo e os homens.

teus sonhos são de meandros e fiapos,
delgados e secos como se fora filhos
de um campo de trigo ou de feno maduros
que no tempo se espera colhe-los.

te encontrei quando perambulavas
insône e pensativa, desaraigada
desta terra que não merece contê-la
na tua plena forma de anjo.

charles souza (assino como cummings)

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